terpsicore

pela divulgação e crítica da arte transdisciplinar do Movimento.


la Agréssive Mémoire du Doulce Mouvement

Algumas semanas de digestão após o curso em Paris e ocorre-me falar apenas de Memória.
Memória do Movimento, Memória da linguagem do Movimento, Memória no espaço... Acima de tudo foi um trabalho de Memória.
Memória e enraízamento de uma linguagem que nos é estranha, porque a não praticamos todos os dias, seja ela do Renascimento italiano ou do Barroco Francês.
Memória da linguagem no corpo, como primeiro passo, primeira etapa a conseguir, para podermos chegar ao prazer da interpretação, do estilo, do gozo da Dança enquanto movimento espontâneo...

Mas quem disse que dançar é um movimento espontâneo? (eu?) A Dança é frequentemente associada à espontaneidade, ao físico. E é bom - muito bom - sentir o movimento jorrar tão simplesmente de um ritmo, qual purga da mente, ausência de pensamento. Mas enquanto exercício de criatividade e evolução, enquanto interpretação coreográfica, ela é seguramente intelectualizada, racionalizada. Nunca o senti tanto quanto nesta semana. Coreografia é certamente um conceito paradigmático, já que demonstra a possibilidade da apropriação de um movimento por outro que não o seu criador: o intérprete...?

Memória do Movimento
A Memória traça assim uma estranha fronteira entre as duas artes, do movimento do Som e da Imagem. Não é possível dançar, segurando uma partitura.(?) 1) E muitas vezes não se consegue tocar, senão com partitura. A ditadura da partitura...Existe essa ditadura certamente na escrita instrumentisticamente definida do Barroco, mas não na música renascentista (será?): na polifonia, na instrumentação, na estrutura. Quanto de notação e quanto de improvisação? É na estrutura de uma dança renascentista como o Passo Mezzo, que nos apercebemos da necessidade de - perfeita - sintonia entre músicos e bailarinos, na imediata identificação do movimento com o momento, musical. 2)

Memória no Espaço
Sendo a notação uma das melhores formas de Memória, não fará sentido a dança dita antiga sem o conhecimento e interpretação dos tratados..Il Bailarino e La Nobiltá del Dame de Caroso; a escrita de R. A. Feuillet. Nunca ouvi de facto falar em notação Caroso, talvez porque Caroso descreve as danças através da enumeração escrita de passos, sob a forma de pedálogo... 3) Com a orientação espacial de R. A. Feuillet, na indicação do percurso dos bailarinos e a decomposição dos passos efectuados pelos pés, estamos já diante um sistema de notação. 4) A interpretação das palavras de Caroso, pela ausência de notação espacial explícita, enriquece o trabalho criativo sobre a dança do renascimento. Coloca-se assim, estranhamente, muito próxima do exercício contemporâneo..

O espaço à Improvisação e o espaço à Memória são fundamentais no trabalho artístico; porque é ilusória a criação contemporânea sem regras...

Até breve.

1) Mas é interessante que o façamos numa aula de Barroco Francês...vidrados pelo hieroglifismo de feuillet e extasiados pela descoberta de uma nova forma de escrita.
2) Um dos pontos altos do curso, foi sem dúvida a reunião música-dança. Isto porque houve a oportunidade de dançar as variações do Passo Mezzo com acompanhamento de alaúde por Pascale Boquet, entrando um pouco na raíz da prática musical do Cinquecento italiano.
3) Bruna Gondoni, citando Caroso. Cuidado fisicamente com este diálogo com os pés...não-se deixem enganar pela suave aparência das danças da renascenca e do barroco, já que o desgaste físico das articulações é notório. Usem calçado com um pouco de tacão, mas confortável e evitem dançar em espaços que não possuam caixa de ar!
4) oposition, é o nome dado ao trabalho de torsão sempre presente na postura do homem barroco. Basta lembrarmo-nos de qualquer uma das estátuas deste periodo. Daí que apenas o trabalho dos pés fosse alvo de notação: todo o trabalho de braços e tronco regia-se por esta regra de estilo.

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